As
perturbações regulatórias necessitam de uma atenção cuidada. A assistência
atempada pode contrariar a manifestação de diversas perturbações de
desenvolvimento e do comportamento ou prevenir a sua ocorrência. Cuidar as
dificuldades na relação pais-bebé sustenta a saúde mental da criança ao longo
de todo o seu ciclo de vida. Neste artigo descreve-se um método de Intervenção
em Crise para a primeira infância (e seus pais), uma terapia de MãeBebés de reconhecido prestígio clínico na Europa
Central, facilitadora da natureza preventiva primária da Intervenção Precoce. Orientado
para as competências e recursos do sistema familiar, o método de Intervenção Psico-Corporal
em Crise, articula elementos
psicoterapêuticos com técnicas semelhantes às das Terapias Manuais.
(Este artigo foi traduzido e adaptado por Claudia Pinheiro, com a revisão e autorização da autora, Paula Diederichs, e publicado originalmente na Revista de Enfermagem Pediátrica Alemã:
Diederichs, P. (01 de 2009). Körperpsychotherapeutische Krisenbegleitung bei frühkindlichen Regulationsstörungen. Kinderkrankenschwester , 3-12.)
1.
Introdução
A natureza preventiva da Intervenção Precoce
procura contrariar a manifestação de problemas de desenvolvimento ou prevenir a
sua ocorrência. A abordagem terapêutica descrita neste artigo proporciona apoio
e assistência às famílias que estão a viver momentos críticos, sejam eles de
origem psicológica, financeira, familiar, social, etc., de modo a minimizar os
efeitos nefastos no desenvolvimento emocional das crianças.
Conforme refere o manual de orientação,
para profissionais de saúde, para a Promoção da Saúde Mental na Gravidez e Primeira
Infância, da Direcção de Serviços de Psiquiatria e Saúde Mental (DGS, 2006) na área da saúde mental é
prioritária a intervenção o mais precoce possível: “ (…) A promoção da saúde mental implica que sejam desenvolvidos
cuidados abrangentes, físicos, psíquicos e sociais, nos períodos pré e
pós-natal. (…)
É
relevante dar suporte ao casal grávido e prestar atenção aos estados emocionais
da mulher grávida; há que informar os pais sobre a importância do bem-estar da
criança e desenvolver estratégias que dêem suporte às competências parentais,
que facilitem as relações entre os pais e a criança e que protejam as crianças
mais vulneráveis. (…)”
À luz do conhecimento actual,
nomeadamente na área científica da Neonatologia, as experiências de vinculação
bio-emocional (bonding) entre mãe e
filho têm uma importância crucial para o futuro desenvolvimento do ser humano
como um todo. As perturbações de vinculação situam-se também, e sobre tudo, a
nível corporal, pelo que é de grande conveniência uma intervenção reparadora a
esse nível.
O
presente artigo apresenta em pormenor o método terapêutico usado nestes
centros, expondo as diferenças entre intervenção em crise segundo a abordagem
psico-corporal e outras abordagens terapêuticas dirigidas a pais/bebés, de modo
a elucidar mais claramente em que consiste o modo de actuação desta metodologia.
Em Portugal já
existe um grupo restrito de técnicos formados pela Dr.ª Paula Diederichs que
actua a nível da intervenção em crise para grávidas e bebés, e que está agregado
no sítio da Web: Crescer Com Colo - Grupo
de Trabalho Psico-Corporal com Grávidas, Bebés e os seus Pais (Pinheiro, 2008).
Desenvolvido
para situações de risco, nomeadamente sintomas de depressão materna e risco de
maus tratos à criança, este método da abordagem psico-corporal – analisado e
comprovado por uma avaliação externa da Universidade Livre de Berlim, sob a orientação do Professor Dr. M.
Hildebrand-Nilson (Roeseler, 2000) – tem reconhecido prestígio clínico nomeadamente
na Alemanha.
O primeiro
Centro de Apoio ao Bebé Colérico – para grávidas e pais com crianças até cerca
dos dois anos de idade, a trabalhar com esta abordagem surgiu em Berlim em
1994. Estes serviços existem hoje em grande número na Alemanha e na Áustria,
sendo que em Berlim estão integrados em centros comunitários da cidade e são
financiados pelo Senado de Berlim e pela fundação Charlotte-Steppuhn.
2.
Enquadramento
das situações de crise
A maioria das
crianças que chega às consultas dos Centros de Apoio ao Bebé Colérico de Berlim
sofre de perturbações regulatórias, na expressão de alteração do comportamento,
nomeadamente do choro (bebé colérico apresentando choros intensos e
ininterruptos), do sono, ou perturbações do comportamento alimentar (Diederichs & Olbricht, 2002). Os pais, e
principalmente a mãe, sofrem de esgotamento em elevado grau, que se expressa
por insónias e crises existenciais, e que acarreta frequentemente sérios
problemas familiares. Os pais sentem-se impotentes, culpados, depressivos,
desanimados e desamparados, e devido à permanente pressão psíquica e física a
que estão sujeitos, têm tendência para se tornarem agressivos contra o seu
próprio filho. O principal aspecto da urgência da intervenção em crise é
prevenir danos físicos nos bebés, nomeadamente o síndrome do bebé sacudido – shaken-baby-syndrome (Diederichs, 2009).
O
choro constante e intenso do lactente leva os pais a procurarem, em primeiro
lugar, os profissionais da rede de cuidados de saúde primários nos períodos da
gravidez e primeiros tempos de vida da criança, nomeadamente as enfermeiras,
médicos de família e pediatras. No entanto, estes técnicos não têm geralmente
um conhecimento específico sobre os aspectos da saúde mental da primeira
infância, de forma a intervirem precocemente nas situações problemáticas.
Antes
de iniciar um processo de intervenção em crise, é imperativo ter-se a certeza,
confirmada pelo médico assistente, de que os problemas assinalados na criança
não têm origem médica. O apoio em crise não deve ser confundido com tratamentos
médicos ou de terapêuticas manuais, nem com as psicoterapias puras. O objectivo
neste tipo de trabalho é o tratamento de sintomas psicossomáticos na criança e
na mãe (Harms T., 2008). Desde que
possível, faz também parte da intervenção em crise incluir activamente o pai da
criança ou companheiro da mãe.
Em
média o número de sessões é cerca de cinco a seis. No caso de se chegar à
conclusão de que é necessária uma intervenção mais aprofundada, se houver a
indicação de um acompanhamento psicológico ambulatório ou hospitalar, ou se for
detectado algum problema de saúde, deve proceder-se ao claro encaminhamento dos
clientes para as áreas ou instituições apropriadas. A mãe e a criança
manter-se-ão no apoio em crise até que a próxima instituição de ajuda entre em
acção.
3.
A abordagem
psico-corporal das perturbações regulatórias
O
nascimento de um filho resulta como uma “reactualização” da infância dos pais. Estes
projectam frequentemente os seus problemas biográficos, desejos inconscientes,
e as suas próprias experiências de vida nos seus filhos, perpetuando deste modo
diversos problemas, que podem depois levar a perturbações regulatórias.
Para
entender o método, a estrutura e as metas do apoio psico-corporal em crise, é
necessário fazer uma breve ressalva etiológica quanto aos pressupostos das
perturbações regulatórias do lactente, segundo a perspectiva psico-corporal:
Como
noutras perspectivas psicoterapêuticas, entende-se o choro excessivo do
lactente como uma incapacidade de auto-regular funções básicas de adaptação do
sistema vegetativo e afetivo. O bebé possui estádios diferentes de consciência
que utiliza como um sistema regulatório básico para gerir a sua auto-regulação
(homeostase) e a distância em relação aos estímulos. Por incapacidade auto-regulatória
do lactente entenda-se a sua dificuldade em se acalmar a si próprio e
adormecer.
Como
remediar em terapia o problema do bebé no que diz respeito à sua homeostase?
Do
ponto de vista das perspetivas analítica, comportamental e integrativa a
auto-regulação do lactente dá-se preferencialmente a partir da co-regulação
oferecida pelos cuidadores, por exemplo, o modo como os pais satisfazem as
necessidades da criança e como interagem com ela. Por essa razão, para esses
processos terapêuticos é fundamental o restabelecimento de uma interacão
funcional e co-regulada. Os métodos de orientação analítica partem da
observação das falsas projeções dos pais na atribuição de significados ao
comportamento do filho, trabalhando para corrigir a interação pais-bebé para
que seja mais favorável à criança. A abordagem comportamental oferecerá
programas para regular, por exemplo, o comportamento do sono da criança, de
modo a que ela possa construir internamente novas atitudes de controlo
comportamental. Para todas estas abordagens o desenvolvimento psíquico da
criança é deduzido, em primeiro lugar, a partir da interação com os pais, de
modo que o “modelo de auto-regulação”, que decide tudo, é o adulto ele próprio.
A
abordagem psico-corporal, no entanto, tem como ponto de partida o pressuposto
de que a criança tem a sua própria unidade orgânico-biológica, constituída por
ritmos funcionais vegetativos com os seus próprios princípios, pulsando em
ciclos (Reich, W. 1994). Harms (1999)
descreve deste modo, no seu “Modelo de Pulsação”, a alternância entre o “fluxo
energético” dirigido para dentro – Instroke:
reunir-se e descansar, e dirigido para fora – Oustroke: expandir-se e explorar; sendo stroke = movimento:
“Num bebé esse movimento pode observar-se
muito bem: Quando ele agita os seus bracinhos para lá e para cá e bate com as
perninhas, lança um olhar intenso, espalhando a sua energia para fora. Esta é
uma fase Outstroke. Se ele absorve curioso o exterior, dirigindo toda a sua
atenção para o seu próprio organismo, para que essa experiência seja digerida e
regenerada, desperto mas tranquilo, num estado de transe ou adormecendo,
trata-se de uma fase de Instroke. A criança que tem a capacidade de voltar-se
para si por si só tem uma expressão pacífica. Outstroke e Instroke encontram-se
numa alternância permanente, num fluxo bioenergético.”
Quando
há lesões corporais ou psíquicas (p. ex. traumas de parto), essa pulsação entre
os movimentos de contração e expansão fica perturbada. Isso é visível quando a
criança já não consegue tranquilizar-se, apresentando-se dolorosamente contraída.
O fluxo dirigido para dentro é interrompido, e a meio caminho volta para fora. Isto
influencia também o fluxo dirigido para fora - é como quando uma criança que
está num baloiço apanha um susto quando está a balançar numa das direções: o
ritmo equilibrado do balançar fica completamente desarmonizado.
Existem
dois modos de influenciar a homeostase do bebé, isto é a sua capacidade do se
auto-regular: a partir da co-regulação oferecida pelo cuidador primário; e, a
partir dos princípios internos dos ritmos funcionais vegetativos do próprio
bebé.
A
resposta à questão - qual deles é mais importante para a função
auto-regulatória?, é óbvia: são os dois. O desenvolvimento saudável da criança resulta
da alternância interdependente entre a qualidade da co-regulação dos cuidadores
e a sua própria capacidade homeostática. Os processos de regulação biológica e
psicológica estão inevitavelmente interligados. Uma estimulação afetiva errada
tem consequências negativas a nível do sistema nervoso vegetativo, muscular e
psíquico da criança.
Nos
bebés coléricos pode-se partir do princípio que a criança está quase totalmente
desequilibrada a todos os níveis (stress, tensão emocional, corpo entesado,
hipertonia muscular, perturbação respiratória e sensorial). Em primeiro lugar,
é necessário trazer o corpo hipertónico do bebé que chora em excesso de novo
para um estado de equilíbrio vegetativo e muscular, e isso faz-se através de
massagens de relaxamento e de técnicas de Holding
- colo. Ativando a ação relaxante do sistema nervoso parassimpático, vai-se
então fazer frente ao sistema nervoso simpático exaltado (stress) do bebé.
O bebé apercebe-se de que o seu estado de
stress é tido em conta, que está a ser ajudado, e isso vai ajudá-lo a chegar a
uma consciência mais profunda de si próprio.
A
terapia psico-corporal parte também do princípio que existe uma memória
corporal a nível celular, na qual são gravadas as experiências de vida – desde
o início da gestação –, tanto as boas como as más. A memória corporal pode
registar ainda bloqueios ou desvios à capacidade de regulação das funções
orgânicas. Também aqui se parte do princípio da pulsação – entre a expansão e a
contracção da energia de vida, que está presente em todo o sistema corporal até
às células.
A
criança traz consigo, desde o início determinados pré-requisitos que
influenciam a capacidade de auto-regular a sua função orgânica vegetativa,
conforme tenha tido influências negativas (stress)
ou positivas (apoio, contacto) durante a gestação, parto e pós-parto (Diederichs P. 2006). No caso das influências negativas
estas poderão resultar na lesão da sua capacidade homeostática, tanto a nível
psíquico como vegetativo ou muscular.
A
evidência científica tem mostrado (por exemplo Schwab, 2009) que crianças
sujeitas a fatores negativos na fase pré-natal (stress psico-social da mãe
durante a gravidez) têm maior probabilidade de se tornarem bebés coléricos, ou
com perturbações do comportamento. Com base na teoria da memória corporal, a
abordagem psico-corporal também subscreve a explicação da relação entre o stress pré- e peri-natal e as suas
consequências negativas na primeira infância.
4.
A abordagem
corporal Biodinâmica
Introduzem-se
aqui os conceitos bottom-up e top-down (conceitos universais usados em
diversas áreas de estudo como a sociologia, a tecnologia, a política, a
psicologia, a biologia, etc.) para explicar a razão de se englobarem
procedimentos corporais no processo terapêutico. Estes conceitos descrevem dois
modos fundamentalmente diferentes de processar informação: No campo da
psicoterapia diferenciam-se os métodos de intervenção que envolvem
preferencialmente a experimentação – bottom-up,
ou a comunicação verbal – top-down no
decorrer da ação terapêutica.
Um
exemplo clássico de um processo de mudança top-down
no campo da terapia de MãeBebés é o treino da
interação/atenção mãe/filho baseado na observação de gravações vídeo, a partir
da qual se pretende obter instruções concretas para um comportamento mais
concertado da mãe para com a criança. O movimento começa no pensamento e na
palavra (top) e passa por uma mudança
de comportamento para um novo modo de sentir e experimentar "em
profundidade" (down), por
exemplo, uma maior qualidade da experiência de vinculação. Assim, estas
abordagens, adotando uma plataforma relacional que é empática, apoiam-se
essencialmente numa atitude verbal que envolve uma componente cognitiva de
nível mais elevado (top). Isso gera,
por sua vez, a melhoria das estruturas mais profundas (down), isto é, uma melhoria da homeostase interna e portanto, uma
melhoria da vinculação. Deste modo, mãe e criança passam do pensamento à ação,
através da mudança da sua capacidade homeostática, para um vínculo mais seguro
(top-down).
A
atitude terapêutica do método psico-corporal em crise vai no sentido inverso,
ao privilegiar preferencialmente, desde o início da intervenção, não os níveis
e camadas verbais (top), mas as
estruturas experienciais, isto é corporais, orgânicas e biológicas. A intenção
é de intervir em profundidade através de manobras corporais, como a massagem,
os exercícios respiratórios e de relaxamento (bottom), atuando portanto diretamente no organismo stressado, com
o objetivo de o encaminhar para a serenidade. Deste modo, contrariando a
função auto-regulatória desequilibrada, contribui-se para a construção de uma
nova capacidade homeostática do organismo.
A
quota corporal e experiencial deste trabalho foi desenvolvida principalmente a
partir das técnicas e conceitos da Massagem
Biodinâmica, parte integrante da Psicologia Biodinâmica (Boyesen, 1986), e da Bioenergética Suave, uma abordagem psico-corporal especificamente desenvolvida
pela médica Dr.ª Eva Reich (1924 - 2008) para a fase do início da vida. Ambas estas
abordagens foram desenvolvidas a partir dos conceitos teóricos de “couraça
muscular”, “modelo das três camadas”, e “ciclo vaso-motor” (Reich, 1933) do
médico e investigador Wilhelm Reich (1897-1957), pai de Eva Reich. Já nos anos
quarenta Reich (1948) referia a
necessidade de apoiar as MãeBebés em
situação de crise aguda depois do nascimento.
Assim,
chamam-se procedimentos bottom-up e top-down às diferentes atitudes
terapêuticas, respetivamente, da abordagem psico-corporal em crise e das
abordagens com base nas teorias da vinculação. Comum a ambas as abordagens é o
objetivo a ser alcançado: a criação de um vínculo seguro para com a criança
como ponto de partida para o relacionamento amoroso e estável entre os pais e o
seu filho. A diferença está na forma como este objetivo é alcançado.
5.
Estrutura do
método psico-corporal em crise
A presente abordagem de apoio
psico-corporal em crise com bebés, crianças pequenas e seus pais apoia-se no
que se denominou de Princípio-dos-três-pilares:
a)
Trabalho no corpo da criança (intervenção corporal de orientação relacional)
parte bottom-up
b)
Apoio terapêutico para pais (orientado para a clarificação e a solução de
problemas) parte top-down
c)
Trabalho no corpo da mãe/pai (intervenção corporal de orientação relacional)
parte bottom-up
a) Trabalho no corpo da criança
O
primeiro, e fundamental pilar deste trabalho consiste numa intervenção
"concreta" no corpo da criança (trabalho corporal), no caso de bebés
coléricos, principalmente sob a forma de vários tipos de massagens de carácter
neo-reichiano modificado (massagem do occipital, dos músculos eretores da
coluna ou da cesariana), assim como exercícios de Holding - colo e relaxamento, sempre em presença da mãe. Descrições
detalhadas destas técnicas podem ser encontradas, entre outros autores, em
Harms (2000) e Diederichs (2000). A maioria das mães ficam contentes por poder
entregar a criança em mãos seguras, para descansar apoiadas sobre almofadas e
aproveitar para relaxar e respirar profundamente.
É
importante que o primeiro contacto com a criança venha da parte dela própria.
Caso esta não o faça por sua iniciativa, a terapeuta entra em contacto com a
criança de um modo lúdico e prazeroso, mas ao mesmo tempo respeitoso.
Para
ser bem sucedida na necessária sintonia emocional com a criança, a terapeuta
reflete os seus gestos e reações emocionais. Com esta repetição ela consegue
alcançar de modo eficaz um diálogo afetivo-motor com o bebé. Ao mesmo tempo,
ela deve estar atenta também à mãe, dirigindo a atenção a ambos em simultâneo.
b) Apoio terapêutico para os pais
O
segundo pilar envolve a construção de uma relação segura e cúmplice de ajuda à
mãe, com o objetivo de transformar um vínculo ambivalente num vínculo seguro.
Aqui, o objetivo inicial não é analisar o relacionamento entre mãe e filho,
mas a própria mãe e o que ela “traz consigo” como indivíduo.
Por
exemplo, a partir de um problema de comportamento do sono da criança podemos
chegar aos medos profundos da mãe, originados inconscientemente pela temática
da autonomização (Diederichs & Jungclaussen, 2007). Informando a mãe, do
ponto de vista psicológico, acerca do tema do seu próprio papel de mãe, está a
pôr-se em evidência a correspondência com a interação entre mãe e filho – a
co-regulação.
Esta
fase, com procedimentos multimodais e integrativos, abarca ainda, ao lado da
análise psicológica profunda e da psicoterapia verbal, a abordagem sistémica,
assim como elementos psico-pedagógicos e comportamentais.
c) Trabalho no corpo da mãe/pai
Partindo
do princípio que a mãe/pai colabora, passamos do segundo pilar diretamente
para o terceiro. Este consiste em trabalhar no corpo da mãe/pai sob a forma de
exercícios de respiração ou de massagem orientada para as suas competências,
com o objetivo do relaxamento, tranquilização, consciencialização corporal,
melhoramento do "vínculo consigo mesma" e o fortalecimento da sua
autonomia. Através de uma massagem especial - dos eretores da coluna - as mães
entram em contacto com o seu estado físico, diferenciando melhor tanto os seus
recursos de força e vitalidade, como o seu cansaço ou esgotamento.
O
efeito da massagem nas mães é confortante e relaxante, por isso elas têm muito
gosto em aprender a fazê-la aos seus filhos, para com a sua aplicação poderem
ajudar os seus bebés a sentirem-se melhor também. Podemos dizer que as
massagens são também didáticas. Para aprender convenientemente a massagem, é
sempre melhor a mãe experimentá-la no seu próprio organismo (processo bottom-up), em vez de este procedimento
lhe ser unicamente explicado e demonstrado (processo top-down).
Assim
as mães não são obrigadas a entender tudo unicamente pelo processo cognitivo, elas
podem sentir o alívio no seu próprio corpo, ao mesmo tempo que compreendem
mentalmente o que se está a passar. Isto resulta principalmente para aquelas
mães que interiorizaram uma postura perfeccionista de base cognitivo-verbal
(mãe hiper-mental).
À
luz dos conhecimentos atuais também a Neurociência defende o processo acima
descrito, na medida em que comprova que o cérebro assimila melhor o
conhecimento que lhe é apresentado de diversas maneiras - entendido
cognitivamente e vivenciado fisicamente.
O
que fazer com aquelas mães que explicitamente não querem ser tocadas? Do bebé
obtemos o consentimento não-verbal em resposta ao contacto lúdico. A vontade de
não ser tocado expressa pelo adulto, é absolutamente respeitada. O terapeuta
concentra-se no trabalho verbal com a mãe e no trabalho corporal com a criança.
A mãe será convidada a fazer os exercícios de relaxamento para si. Os limites
físicos são sempre respeitados, nunca postos em causa.
6.
A relação
terapêutica
6.1. Aspetos
da atitude terapêutica:
i.
Empatia
A
empatia é a disposição e a capacidade de compreender a maneira de ser do outro,
de a devolver e de saber pôr-se no seu lugar – é o aspecto mais importante do
apoio psico-corporal em crise.
• Os clientes são recebidos exactamente onde
estão no momento.
• A terapeuta deve demonstrar compreensão pela
situação individual de cada cliente.
• A terapeuta apresenta-se ao mesmo nível do
cliente.
A
importância da atitude empática é destacada pelos estudos da Neurociência (neurónios
espelho) e da Neonatologia. Sabemos também, a partir dos conceitos de
Mentalização (Fonagy, P. et al, 2002), que
um Self positivo e estável é constituído por um sem-número de “micro-respostas”
da mãe para com a criança: “Se o outro me reconhece, também eu me reconheço.”
O
êxito da comunicação na intervenção em crise não resulta do lema: “eu sei o que
não está certo, e vou te dizer o que é!” mas da construção de uma plataforma de
comunicação em que ambos estão ao mesmo nível.
ii.
Imparcialidade
Umas
das preocupações em particular desta abordagem, é o cuidado de não dar
conselhos diretivos ou pré-definidos. Na maioria das vezes, as mães já
procuraram ajuda e recebem muitos conselhos, muitas vezes contraditórios e de
variadas pessoas, o que as confundiu ainda mais. Além disso, a mãe sente-se
insegura e culpada, pensa que não é boa mãe.
O
significado de imparcialidade numa situação de crise é ilustrado neste exemplo:
Uma
mãe confessa na consulta que houve um momento em que ela teve mesmo vontade de
sacudir o seu bebé, no entanto a terapeuta não se mostra alarmada. É-lhe
explicado que um organismo que está no limite da sua resistência tem reações
mais agressivas, do que um organismo relaxado. Deste modo ela sente-se
compreendida. A maioria das mães fica surpreendida com a explicação deste seu
comportamento. Desta forma, colocámos a primeira pedra num relacionamento
terapêutico positivo. O próximo passo importante é ajudar a mãe a entrar num
relaxamento centrado na respiração. No final da sessão será explicado e
demonstrado à mãe o que deverá fazer em casa quando estiver de novo numa
situação de emergência em que se sentir ameaçada por um impulso agressivo.
Primeiro mandamento: a agressão não deve ser exercida na criança, mas poderá
ser descarregada em colchões, almofadas ou objetos afins. O importante é
perceber claramente qual é o perigo, agindo ao mesmo tempo de forma
pragmática.
iii.
Enraizamento e
centramento
Enraizar
e centrar são, antes de mais, métodos da terapia psico-corporal. Deste modo são
também elementos fundamentais no trabalho com bebés coléricos.
Por
centramento entenda-se a tentativa de restabelecer o ritmo do fluxo energético
do metabolismo e de recuperar o equilíbrio entre o sistema nervoso Simpático e
o Parassimpático. Isto significa recuperar igualmente o equilíbrio emocional e
o ritmo respiratório.
O
enraizamento é o processo pelo qual o indivíduo sente que “está com os pés bem
assentes no chão” e que tem uma “boa ligação com a realidade”. Trata-se então de um sentimento de estabilidade e
segurança na vida, e não do contacto mecânico entre os pés e o chão.
Se
a terapeuta de intervenção em crise não estiver convenientemente enraizada,
acaba por assumir a instabilidade e o stress do bebé. Do ponto de vista
bioenergético, ao deixar-se contagiar pela intranquilidade do bebé, ela acaba
por entrar no mesmo modelo energético. Com a dificuldade de se auto-regular ela
deixa de ter domínio sobre a sua necessária tranquilidade, é inundada pelo
stress, o que a leva a uma sensação de perda de controlo sobre a situação.
O
conveniente enraizamento e o centramento da profissional de intervenção em
crise fazem com que seja possível manter-se separada do organismo do bebé
colérico.
Estas
posturas são importantes, por exemplo quando a terapeuta pega no bebé ao colo e
o acalma andando de um lado para o outro e também no âmbito dos exercícios de
apoio à mãe.
Um
exemplo: A terapeuta pergunta a uma mãe nervosa desesperada, que procura no
falar incessante afastar o seu estado emocional, se lhe pode oferecer apoio
estendendo-lhe a mão, o que ela aceita. A mãe pega na mão da terapeuta mas
continua a falar. É pedido à mãe que tente em primeiro lugar sentir como fica
quando pára de falar, e ao mesmo tempo que faça uma respiração abdominal
profunda em conjunto com a terapeuta. Enquanto ela se tranquiliza, a terapeuta
dá-lhe apoio nas costas com a sua mão. Este trabalho serve para que a mãe se
sinta apoiada, para que ela “desça da cabeça para a barriga” e assim se consiga
enraizar e centrar.
Apesar
de a terapeuta estar a dar a mão a essa mãe, o importante é que ela atue de
modo autónomo e que cliente e terapeuta se mantenham dois organismos
independentes. Caso isso não aconteça, a terapeuta perde o seu centramento, o
seu enraizamento e a sua tranquilidade. Essa situação leva a uma relação
instável com a cliente, contrária ao pretendido, que é oferecer segurança,
força e apoio à mãe.
iv.
Autenticidade
A
terapeuta deverá ser autêntica de acordo com a sua própria personalidade. Nas
consultas ela será percetível como indivíduo. Esta postura transmite à mãe um
sentimento de verdade, sinceridade, autenticidade e transparência. Estas são,
aliás, as características a que bebés e crianças são mais sensíveis.
v.
Acentuar competências
As
mães que procuram o atendimento em crise estão sempre inseguras e normalmente,
só conseguem ver os seus defeitos. É explicado à mãe que a sua insegurança,
nomeadamente quando se trata do primeiro filho, é absolutamente normal, assim
como a sua necessidade de procurar ajuda profissional. A terapeuta leva a mãe a
tomar consciência das coisas que faz bem e a reconhecer as suas competências.
Isso ajuda a mãe a sentir-se cada vez mais segura de si.
vi.
Manter a atenção em simultâneo na criança e na
mãe
O
trabalho “dual”, simultâneo com mãe e criança, obriga a terapeuta a dividir a
sua atenção e concentração de igual modo entre os dois. Trata-se de entender o
estado e os processos internos, tanto da mãe como da criança, de os reconhecer
e considerar constantemente no decorrer do processo terapêutico. Quando se
inclui o cônjuge, o processo terapêutico torna-se ainda mais complexo devido à
acrescida dinâmica de casal. O apoio em crise exige bastante experiência e um
determinado domínio destas competências profissionais.
6.2. Procedimento
diagnóstico
O
diagnóstico da situação inicial – através do qual a terapeuta recebe informação
sobre uma quantidade de circunstâncias práticas ou afetivas relacionadas com a
situação de crise em que os clientes se encontram no momento – é caracterizado,
desde o início, por uma postura orientada para a valorização da relação e das
competências. Isto quer dizer também que, desde o início, a terapeuta tenta não
dramatizar nem desvalorizar a situação nem as suas possíveis consequências, ela
aceita a realidade tal como ela é. Aquilo que foi deficitário (um possível
nascimento difícil) não é ignorado, no entanto tudo aquilo que a mãe conseguiu
(as suas competências) é sempre valorizado.
Um
breve exemplo para ilustrar o que foi dito: Uma mãe que desejava um parto
vaginal sofre da sensação de ter fracassado por o seu bebé ter nascido de
cesariana de urgência, devido à falta de oxigénio a que a criança estava
exposta. Depois da cesariana, ela não está em posição para estabelecer uma boa
vinculação com o seu filho. Através de perguntas específicas, é dada
oportunidade à mãe de entender o que teria acontecido, no pior dos casos,
devido ao quadro de falta de oxigénio. Durante a conversa a mãe deverá fazer
pausas e olhar para o seu filho, fazendo algumas respirações profundas. Quando,
num momento de interiorização, esta mulher conseguir realizar que deu à luz um
bebé saudável, então sentirá gratidão e estará disponível para criar um vínculo
consigo própria e com o seu filho.
O
importante é reconhecer a realidade tal como ela é. Com essa atitude
constrói-se “um reconhecimento e aceitação de si própria” muito claros e
revigorantes, através do qual a criança também pode ser vista com mais clareza.
É então possível trazer alívio e equilíbrio à situação de sofrimento.
O
objetivo da intervenção num bebé colérico, por exemplo, é de restabelecer a
sua capacidade homeostática natural, na forma da melhoria dos seus ciclos de
sono-vigília, da regulação das emoções, do seu sistema digestivo, etc. Do ponto
de vista terapêutico, pode conseguir-se esse objetivo, quer pela via
"tradicional" através da função co-reguladora da mãe, quer por meio
do trabalho corporal através da intervenção corretiva no ciclo vaso-motor emocional da criança, que despoleta
um soltar orgânico. Decidir qual a opção mais indicada, bem como saber em que
medida aplicá-la para determinado bebé, depende da própria criança e do tipo de
personalidade da mãe. A terapeuta tomará essa decisão intuitivamente, a partir
do seu conhecimento clínico – tendo sempre em atenção a interligação dos dois
sistemas de auto-regulação, o biológico e o psicológico.
6.3. A atenção à
intuição materna
O
sucesso do apoio comportamental à mãe depende principalmente das
características trazidas pela própria mãe: os seus "pressentimentos",
as suas atitudes, os medos inconscientes, as fantasias, as expectativas, os
conflitos, os sentimentos de culpa, o seu nível de perfeccionismo, os seus
desejos e a sua consciência corporal. Chamamos intuição materna ao pano de fundo emocional que acolhe os conselhos
terapêuticos e aos critérios de que a mãe dispõe para medi-lo.
O sucesso ou o fracasso de quaisquer
intervenções, incluindo aquelas que apelam à função co-reguladora da mãe,
dependem do que diz a sua intuição. Uma sensibilização para o ritual do sono ou
para como dar atenção à criança, só pode dar frutos se essas propostas forem
verdadeiramente acompanhadas pela intuição materna, isto é, se os conselhos
forem confirmados e aprovados pela sua intuição.
Um
exemplo a propósito: Uma mãe descreve o comportamento do sono do seu filho que
acorda repetidamente durante a noite. Devido a medos existenciais pela vida do
seu bebé durante a gravidez (p. ex. vários abortos anteriores), a mãe
encontra-se num vínculo baseado no medo com a criança. Ao transportar esse medo
inconsciente para a relação com a criança, a mãe é incapaz de deixar o seu
filho sozinho e vai várias vezes por noite ao quarto dele para se certificar de
que a criança está a dormir/está viva.
A
abordagem psico-corporal atribui um significado especial à postura física de uma
mãe num vínculo baseado no medo. Essa postura corporal (tensão nervosa,
alteração do tonos muscular, da respiração, etc.), só por si, vai inibir o bebé
de se separar convenientemente da mãe para poder entregar-se ao sono profundo.
Assim, de acordo com o entendimento psico-corporal, a causa destas insónias é
frequentemente a qualidade ambivalente ou provida de medo que a mãe traz para o
vínculo com a criança, que não possibilitam à criança o “desligar” da mãe,
absolutamente necessário e saudável para adormecer.
Na
consulta a mãe verbaliza mesmo que tem necessidade de controlar permanentemente
o sono do seu filho, e que não consegue evitá-lo. A terapeuta pede-lhe então
para dizer: "Eu posso dar-lhe mais
espaço.", e para fazer uma ou duas inspirações profundas. Mas a mãe
diz que lhe é difícil respirar fundo. Então a terapeuta acrescenta: “Possivelmente está preocupada que aconteça
algo com a criança se respirar profundamente. Tente uma vez, se for possível
para si, respirar um pouco mais fundo que o habitual, para se deixar cair mais
na almofada.”, e começa a fazer massagem ao bebé: “Eu compreendo-a perfeitamente, e é perfeitamente normal que esteja a
tentar entender e observar o que está a acontecer enquanto estou a massajar o
seu filho. Se você tiver perguntas, pergunte por favor, e depois respire fundo
e concentre-se em si. Pode deixar os olhos abertos. Faça-o com calma,
concentre-se uma vez no seu filho e depois em si mesma.” A mãe faz conforme
lhe é pedido e realmente de vez em quando consegue respirar mais fundo e
relaxar um pouco mais. A criança permanece quieta e com a massagem consegue
relaxar cada vez mais profundamente.
Os aspetos importantes neste processo
são: em primeiro lugar, ao ser-lhe permitido ir observando o que se está a
passar, a mãe sente que a sua necessidade de controle é tida em conta, em vez
de ser declinada; depois é importante que a mãe sinta que o ato de cuidar mais
de si, que é afinal um modo de separação, não provoca desassossego na criança; e
ainda o facto de ela passar por uma nova experiência, que pode transportar para
a sua vida quotidiana – poder dar mais espaço ao seu filho.
Este
é um exercício em duas fases simultâneas – por um lado a mãe pôde controlar o
seu bebé, e pelo outro ela teve oportunidade de cuidar de si própria. Deste
modo foi-lhe possível, lentamente e com muita cautela, dar mais espaço o seu
bebé e, ao mesmo tempo, melhorar a perceção de si própria. A solicitação “Agora relaxe por favor" seria
contraproducente, porque obrigaria a mãe a desistir da sua necessidade de
controlar, e para ela isso seria impossível.
O
problema do comportamento do sono, anteriormente descrito, só pode ser
entendido e processado a partir do caso concreto e individual daquela mãe. Um
vínculo baseado no medo dilui-se, oferecendo uma atitude de compreensão, de
empatia desde fora (ao acolher em primeiro lugar a mãe na sua aflição). A mãe
precisa de se assegurar de que a criança não morre se ela reduzir o seu
controlo sobre o filho. O trabalho da terapeuta é ajudar esta mãe a construir o
seu próprio Eu e a trabalhar os seus sentimentos, para que o seu próprio
organismo possa relaxar.
No
entanto, a mãe tem de reconhecer também que não ajuda o filho se não descansar
ou se estiver até com problemas de saúde. Ela tem de aprender que é essencial
estabelecer a pouco e pouco os limites para proteger o seu próprio Eu, que tem
que confiar cada vez mais no seu filho e nas suas competências. Estes processos
só acontecem num ambiente de empatia, tolerância e compreensão.
De modo a sugerir um ambiente de relaxamento e
calma a sala deverá ser equipada com colchões, almofadas e mantas. Os pais, o
filho e a terapeuta assumirão os seus lugares sobre os colchões dispostos no
chão.
7.
Duas técnicas da
terapia psico-corporal em crise
7.1. O conceito
de Mentalização
Um
dos elementos centrais no modo de atuar da terapia psico-corporal com bebés é
o conceito de mentalização – theory of
mind (Fonagy,
P. et al, 2002), isto é, o acompanhamento verbal e empático.
O
conceito de mentalização utiliza o chamado reflectir afectivo, a capacidade da
mãe ir acompanhando a criança com afirmações quanto àquilo que o bebé está a
sentir, de modo a permitir que a criança vá construindo uma ideia sensorial
sobre si e o seu próprio Ser em formação. Ao mesmo tempo, para além do
reflectir das suas manifestações, o reforçar dos afectos tem também um papel
fundamental. Por exemplo a terapeuta diz o seguinte, enfatizando e exagerando
verbalmente:
-
Aaaaiiii tanto soninho que tu tens...
ou,
-
Oooooh, tu estás tão stressado, mas eu
vou-te ajudar a descansar um pouco!
Marcar
e exagerar o que o bebé está a exprimir faz com que, para a criança, seja mais
percetível o que ela sente e evita, ao mesmo tempo, que ela atribua o seu mau
estar aos pais ou ao terapeuta. Como num processo de biofeedback, a criança apercebe-se de que o seu estado afetivo
está relacionado com o seu próprio comportamento, por meio do refletir
afetivo da terapeuta.
Este
é um procedimento utilizado repetidamente. O bebé conseguirá, deste modo,
compreender a diferença entre a sua perceção interior e a sua vivência
exterior, o que é necessário para fortalecer a sua capacidade de atenção e
perceção e para a criança conseguir sair desse círculo vicioso característico
do bebé colérico.
Na
medida em que a terapeuta utiliza o refletir afetivo, principalmente com
objetivo calmante, para além de ajudar o bebé a tranquilizar-se (ajuda de
mentalização para acalmar e dar apoio), servirá também de exemplo para os pais
que poderão fazer uso destas técnicas do marcar e refletir afetivo no
dia-a-dia.
7.2. Holding – o
colo
Podemos
entender o processo homeostático como uma necessidade de equilíbrio entre o
corpo e a alma.
Para
melhor entendê-lo, observamos o funcionamento do sistema nervoso autónomo com
os seus dois sistemas antagónicos, o simpático (responsável pela estimulação,
atividade e fuga) e o parassimpático (relaxamento), que devem estar em
equilíbrio. Durante o dia é o sistema nervoso simpático que é dominante, e à
noite é o sistema nervoso parassimpático.
No
caso de um desacerto, por exemplo, quando há um aumento de stress durante a
gravidez, o simpático torna-se fortemente dominante. As hormonas de stress
sobrecarregaram o embrião/feto com adrenalina e cortisol que o seu corpo já não
consegue reequilibrar-se sozinho. A criança está numa ansiedade constantemente.
Ela precisa de ajuda exterior. Um ponto central nessa ajuda de fora é o chamado
trabalho de Holding - colo.
O
trabalho de Holding leva a que se
redirecione aos poucos a perturbação regulatória (originada pela reação ao
stress) para uma melhor auto-regulação e, gradualmente, esse desacerto tende a
diminuir. O tempo que demora a recuperação da homeostase depende do volume de fatores
stressantes que causaram essa perturbação no início.
Eis
um exemplo: Depois de uma conversa relativamente curta, a mãe, apoiada numa
almofada, começa com os exercícios de centramento e relaxamento. A terapeuta
pega no bebé colérico apertando-o bem contra o seu peito, e passeia-o
calmamente pela sala emitindo sons específicos, graves e calmantes. No
relaxamento terapêutico de um bebé colérico, é importante não se deixar levar
pela exaltada agitação das emoções do bebé, mas sim transmitir à criança
contornos de atividade estáveis e seguros, através de uma expressão vocal e
visual tranquila com movimentos harmónicos. O objetivo é dar à criança o apoio
necessário para que ela consiga entrar um pouco mais no relaxamento, para que
então mãe e filho possam reforçar a sua capacidade auto-regulatória. Em cada
sessão que passa, a criança obtém uma nova experiência de que o relaxamento não
é uma ameaça. Gradualmente consegue assim chegar por si própria, e cada vez
mais, a um estado de serenidade.
8.
Comparação com
outras abordagens de Terapias Manuais
Tendo
em conta a dimensão de "terapêutica manual" nas intervenções acima
descritas (por exemplo, na forma de massagens, etc.) pode-se perguntar o que
diferencia o procedimento da terapia psico-corporal da abordagem da
fisioterapia, osteopatia, ou outras do género. A resposta reside muito
claramente em que esta abordagem incorpora, a par do trabalho corporal, a
atenção às teorias da vinculação. É esta perspetiva psicológica que faz a
diferença, pois ao contrário das terapias manuais – com uma compreensão
mono-causal da patologia (bloqueio>soltar o bloqueio> saúde da criança) trata-se
aqui de uma soma de pontos de vista – psicológico, corporal, sistémico – , isto
é, uma compreensão multi-factorial da origem do problema.
A
análise e intervenção nos processos vinculativos são suportadas por uma relação
profissional baseada na confiança e na empatia, semelhante a uma relação
terapêutica.
A
ativação do problema acontece, nomeadamente, através da sabedoria implícita do
corpo, que é ativada pelo contacto corporal. Assim se encontra um modo de afetar
partes deficitárias da consciência mais profunda do Ser - na criança e também
na mãe.
As
mães que procuram os Centros de Apoio ao Bebé Colérico estão geralmente muito
cansadas, exaustas, à beira do esgotamento. Elas não estão em condições de
colaborar num treino comportamental ou numa análise vídeo-gravada. Do que elas
necessitam em primeiro lugar é do refúgio da respiração e do descanso.
Na
abordagem psico-corporal, em vez de começar por dar apoio às mães
principalmente através do intelecto, ajudam-se as mulheres, em primeiro lugar, a
restabelecer o vínculo consigo próprias e com a sua experiência corporal, isto
é, a tomar consciência de quem realmente são no seu íntimo, de modo a que a
partir daí possam organicamente criar um vínculo seguro com a criança. No
entanto, é necessário sublinhar que está claramente indicado dar conselhos
precisos naqueles casos em que a fase de desenvolvimento da criança exija
determinada alteração do comportamento materno e a mãe não tenha ideia de como
fazê-lo na prática.
9.
Conclusão
Orientado para
as competências e recursos do sistema familiar, o método de Intervenção
Psico-Corporal em Crise, articula
técnicas semelhantes às das terapias manuais com elementos psicoterapêuticos. Na
maioria dos casos, devido ao apoio positivo que a criança vai recebendo a ritmo
semanal, ela
desenvolve passo a passo o seu próprio sistema regulatório básico, para
controlar a sua homeostase e distância em relação aos estímulos. O processo de
mudança vai no sentido de uma progressiva sintonização biológica/psicológica
para que, quebrando o ciclo vicioso de “reciprocidade negativa” entre mãe e
filho, ambos possam atingir uma experiência vinculativa positiva.
A
maior prioridade em todo este processo é que esteja sintonizado com a intuição,
a sensação interior da mãe, porque é essa que tem de ser reforçada (Diederichs,
2009). A intervenção em crise top-down
não pode ser uma imposição, a mãe tem de se identificar com essa ajuda, e tem
que se sentir bem com ela. Cada mãe é tratada individualmente, com o objetivo
de a ajudar a entender quais os medos que se escondem por detrás da dificuldade
de impor limites. Esta abordagem terapêutica tem que ser adequada àquilo que, a
nível emocional, a mãe possa suportar.
“A evidência científica tem mostrado que a
intervenção nos períodos de gravidez e dos primeiros tempos de vida da criança
é efetiva para o seu desenvolvimento psíquico e social, com repercussão na sua
saúde mental ao longo de todo o seu ciclo de vida. Esse conhecimento implica
planear intervenções para dar suporte às funções parentais e facilitar as
relações pais-criança. É fundamental implementar condições para a proteção e o
desenvolvimento das crianças mais vulneráveis.(DGS, 2006)
Agradecimentos:
À
Mestre Dr.ª Margarida Gonçalves Piló pela revisão do texto.
Referências:
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